Eu não sei você mas eu estava precisando de um ano novo.

Novo, de novo. Ainda que fosse um clichê.

Ainda que eu saiba que posso e devo começar sempre que for preciso. Eu queria um ano novo. Ano novo com branco, dourado, prateado, risadas que ensurdecem, banho de champanhe e até onda do mar eu pularia.

Estava precisando encerrar um ciclo.

Um não, tantos. Alguns que, inclusive, eu não sei como nomear. E isso de maneira nenhuma é ruim. Tenho gostado do quanto a vida tem me feito perder as palavras. Coisa que antes eu entraria em completo desespero. Hoje, aceito como um presente de que posso ficar quieta, na minha e economizar meus versos ou deixá-los soltos e livres para não precisarem rimar.

Tenho o costume de dar nome a cada ano novo. Assim consigo separar os anos conforme eventos ou momentos.

Já tive o ano novo que “eu fiquei bem bem doida na sala com uma amiga”, o que “eu me perdi e fiquei dando volta na quadra da festa” e o que “ele me deixou e eu não tava na vibe de sair e dormi no sofá”. Vê se pode. Também tive o “abracei muito a minha avó” e “o ano em que realizei muitos sonhos mas o mundo estava em um apocalipse” – esse último você sabe bem que ano é.

Tive a sorte de realizar algumas coisas que eu queria muito, mas o azar de ser em meio uma pandemia. Me senti reclusa, me senti impedida e culpada por estar feliz. Peço licença pra dizer, feliz pra caralho. Com meu filho no colo, mesmo em meio a uma crise do trabalho, continuei a correr na medida do possível, me formei na minha pós. Também tive o azar de estar mais longe da família e de não poder estar ao lado no dia em que minha a sogra partiu deste mundo. Pra ter sorte, nem tudo pode ser sobre sorte. Esse é o lado sombrio de 2020 e 2021. Os anos em que eu mal consigo dividir em dois.

Como mencionei, em outubro desse ano eu precisei me despedir de alguém que amo muito. Minha sogra. Desde que a conheci eu me apaixonei perdidamente por quem ela é. Boa de papo, querida, direta, gaúcha e boa de vinho. Minha sogra sabia receber as pessoas, olhava nos olhos para conversar e estava interessada em te ouvir e não só em falar. Minha sogra contornava bem a situação seja ela qual fosse. Minha sogra era uma amiga, uma mulher, uma pessoa especial na minha vida. Inclusive: 6 anos atrás ela tinha descoberto um câncer no ovário e, mesmo com o mundo caindo, decidiu começar uma nova faculdade em Filosofia. Nesse final de ano, em sua casa, olhando suas coisas, pude ouvir a sua movimentação e, manter viva, dentro de mim, suas palavras. Não devo dizer adeus para deixar alguém partir. Preciso manter viva quem me encheu de tanta vida.

Nestes 12 anos de amizade a minha sogra me inspirou a viver. Nos seus últimos anos de vida, ela basicamente me ensinou muito sobre morrer. Conversamos tanto sobre o assunto que um dia ela disse: talvez nos achem doidas né, Isa? E eu ri, seguida dela dizer: que achem!

Lembro da nossa virada do ano de 5 anos atrás, em que eu apelidei: a virada em que minha sogra comemorou que estava viva imitando o Darth Vader. Foi incrível.

Zilda estava com duas taças nas mãos e gritava: eu tô aqui! eu tô aqui! eu virei mais um ano! Ela ria e brincava que a sua peruca era o capacete do Darth Vader.

Minha sogra tinha tesão por viver. Era contagiante. Uma sede por estar onde está, por desejar cada segundo seguinte mesmo sem saber qual era e o que a esperava em seguida. A vida não a assustava. Não porque ela aguentava tudo sozinha. Mas, porque ela oferecia e aceitava ajuda. A vida assim era sempre como uma grande colaboração e celebração. Como se cada um fizesse um pouco da ceia e não sobrecarregasse ninguém e todos ficassem de barriga cheia – e quem não ficasse satisfeito, teria dois trabalhos, “o de ficar reclamando e desficar”, ela diria.

Meu começo de ano, não teve nada do que eu esperava. Nada do que imaginei, mas foi novo. Foi o meu novo.

Talvez por isso, eu precisasse tanto de um ano novo. Pra sentir novo de novo. O frio na barriga, os clichês, as doses erradas e a ressaca difícil. Tudo. A sorte e o azar. Tô afim disso tudo.

Tô afim de uma dose a mais. Tô afim de fazer diferente, tô afim de fazer o mesmo, tô afim de viver. Peço licença mais uma vez pra dizer: tô afim de ser feliz pra caralho. E isso, esse gosto de vida, é bom demais e é de verdade.

Esse ano, quando o relógio bateu 23:40 do dia 31 de dezembro, ainda estávamos em 2021, mas eu estava vivendo no meu tempo. Estava exausta, de saco cheio do covid, mas ergui minha taça aos céus e disse: Eu virei o ano. Eu tô aqui, 2022. Você está em meu coração, sogra.

E essa virada eu apelidei de: o ano em que eu Zildei. Dedico à minha sogra, que nunca desperdiçou a chance de viver, mesmo depois de partir a sua vida continua contagiante e inspiradora.

Já é 2022 e você está aqui. VIVA, VIVA!