Dia desses eu precisava de um abraço. Sabe aquele dia em que você sabe disso, mas a vida adulta acaba te engolindo e o máximo que você consegue é comer um bombom sonho de valsa? Então. Foi exatamente assim, às 11 da manhã que sanei, ou melhor, tapeei, minha vontade e necessidade de acolhimento devorando um chocolate (bem bom por sinal) com  casquinha e recheio de amendoim.

Parece preocupante, entretanto não era “nada demais”, digo, era um momento e não uma condição que precisava ser solucionada naquele instante. Quer dizer, sequer precisava de uma solução. Sabe aquele instante em que durante uma sessão de terapia você fica em silêncio e ainda não consegue formular o que esta passando? Bem assim. Acordei desse jeito e fui sendo levada pela vida; a demanda dos dois filhos, escolinha, lanchinho, mamada 1, mercado, mamada 2, limpeza do quintal, comida do cachorro, mamada 3 e, ah, deu pra entender. A vida adulta não perdoa. Atropela. Mas, eu não queria atropelar o que estava sentindo.

Segui o dia com esse retrogosto na boca. Segui como quem não quer nada, vivendo uma etapa por vez e calculando o momento em que teria uma brecha para analisar essa crise. Enquanto tudo isso acontecia internamente, eu trocava a fralda do meu filho. Ele olhava para os meus olhos profundamente e disse: mamain, o que você tá pensando? E ao invés de dizer “não é nada”, eu disse: a cabeça da mamãe tá pensando um monte de coisa, filho. E quando você me perguntou isso me fez perceber que eu preciso e eu quero estar aqui fazendo isso com você. Ele riu e disse: mamain tá trocando a fralda do Levi.

Essa frase me aterrou. Coloquei meus pés no chão e respirei fundo. Só que não foi uma respiração qualquer: puxei o ar com força e convicta de que precisava daquilo para fazer meu coração funcionar. Soltei o ar como quem sabe que tudo precisa uma hora partir para não pesar. Esvaziei a alma certa de que não bastaria respirar fundo para ultrapassar aquele dia, porém já era um começo. Terminei de almoçar e estava trocando a fralda do meu filho, uma etapa por vez. 

-Mamain você não vai tomar café? Meu filho me perguntou sabendo da minha já – quase – automática rotina de almoçar e tomar um cafezinho. Respondi que sim e sorrindo pois amo como ele observa tudo e não deixa passar nada com os seus olhos atentos que parecem duas jabuticabas.

Fazia tempo que eu não passava um café. CALMA. Não é nada disso que você está pensando. É de passar o café no coador de pano. Peguei gosto por tomar expresso e perdi o costume, só que, naquele dia, acabaram as cápsulas. Vou até a despensa pegar o filtro. Coloco a água para ferver. Abro o pote onde guardo o pó de café que não sei a quanto tempo está ali, mas me faço de desintendida. Meu filho arrasta a cadeira para ficar na altura da pia para ver a mágica acontecer e ir direto para o bule de vidro. Sirvo a água devagar. Vejo a fumaça subir e o café coar na dança do aroma da minha infância e que agora fazia parte da do meu filho que mesmo sem beber, já decorou o nosso ritual. 

Interrompo.

Lembro que tenho uma reunião e estava atrasada. Subo em outra cadeira e vejo lá no alto, no fundo do armário, uma garrafa térmica. Abro e despejo o café dentro dela. Por alguns segundo penso que não sei como vou sobreviver aquela conversa, mas valerá a pena tomar um café com calma depois.

Fone no ouvido. Atendo meu telefone. Abro meu caderno, destampo a caneta, faço o que precisa ser feito e volto para a cozinha à procura do meu café. À procura daquele momento em que eu poderia respirar com mais calma.

Sirvo o café na xícara. A fumaça já dissipou, mas o cheirinho ainda invade e conquista todo lugar. Dou o primeiro gole e espero. Espero até que aquele gole faça o efeito que eu espero, até que não o faz. Tinha algo ali de familiar que eu não esperava. 

Aquele parecia o café da minha mãe. De olhos ainda fechados, respiro fundo. Uma respiração consciente e silenciosa, mas ainda assim encorpada. Puxo o ar com a mesma convicção depois de conversar com o meu filho. Sorri e sou abraçada. Recebo o abraço que tanto precisava pela manhã. Recebo o abraço da minha mãe através do gole daquele café com gosto de térmica – a desculpa que eu usava para fazer nossa garrafa estar em desuso em casa depois de comprar uma v60. 

Sou abraçada. Agora pelo filho que entra correndo na cozinha e me encontra. Ele me vê de olhos fechados e diz: tá pensando, mamain? E naquele momento eu me lembro de ver essa mesma cena de um outro ângulo. Lembro de ver meu pai parado com seu café servido no copo americano encarando o céu e respirando fundo. Eu não sei o turbilhão de coisas para resolver que se passava na sua cabeça, mas eu percebia que ele buscava estar ali, no agora; e demonstrava esse esforço quando ao me ver correr em sua direção abaixava-se para me olha nos olhos. Me abaixo, me colocando na altura dos olhos dele e ainda com o sabor familiar do café velho, digo:

-Oi filho, sim. A mamain estava pensando na vovó e no vovô. Isso me fez bem.

O abraço que eu tanto precisava tinha chego para que eu pudesse ser abraço. O abraço que tem sabor de café metalizado. O abraço que veio ao tomar consciência de respirar fundo. O abraço que vem ao estender as mãos mesmo diante de dias que atropelam. Lembrando que, não importa a idade, não importa a correria ou a inversão de papéis que a vida passou a ter, a gente deve estar pelo nosso bem ser, bem estar e bem viver. Ainda que isso tenha gosto de café “envelhecido” na garrafa térmica.