Era um dia comum. Nem tão comum assim, pois um pôr do sol incrível misto de amarelo com roxo estampava o nosso céu. Barba e eu andávamos de bicicleta em um passeio normal. Ele ia na frente e eu atrás contando as coisas da vida. Eu, no meu costume hippie de ser, ao ver aquele pôr do sol, gritei: Vamos ter que parar para ver. Até apressei a pedalada para não correr o risco de perder o caminho que o sol fazia ao trocar de lugar com a noite. A beleza era de dar fôlego – pedalei ainda mais rápido.

Estacionei a bicicleta em um ponto que considerava com melhor visão. O ângulo ideal, alinhado e bem limpo. Eu olhava fixamente para o céu com suas cores gritantes e que quase arrancavam uma lágrima. O contorno dos prédios, os carros, o fluxo da vida parecia uma maquete. Ele olhava para o outro lado. O contorno dos troncos de uma árvore que peneirava o sol.

Neste momento, senti o silêncio: o meu e o dele. Aquela confusa sensação de que nunca saberemos 100% o que se passa na cabeça de alguém, pelo simples fato de querer entender o que no outro se esta passando e pensando. Estávamos sorrindo por dentro, isso eu poderia sentir.

Eu e ele, somos uma coisa só. Como uma camiseta que para vestir com a modelagem ideal tem em cada corte objetivos definidos e certeiros, cada ao seu lado. O avesso e o aparente: duas coisas diferentes, necessárias e que cumprem a mesma função.

Apanhei a bicicleta e seguimos a volta que ainda era abençoada com aquela vista. Com os olhos saltando para fora, eu disse:

-Amor, olha alí!

-Olha lá! O reflexo da luz nos prédios…

E eu ajustei o meu ângulo para ver com os olhos dele. A fileira de prédios ao lado daquela enxurrada de cores. As grandes janelas de vidro recebiam o reflexo de uma luz dourada que parecia rastro do outono que já passou. Sorri pra ele.

Dizem que devemos amar quem não quer nos mudar, mas acredito que o amor seja ainda mais simples. O amor vê oportunidades.

O amor tem prazer em enxergar o diferente, a mudança, o que não é igual ao nosso mundo. O amor vê ali uma oportunidade de aprender, em somar e contribuir. O amor nos tira da nossa zona de conforto, nos faz crescer, arriscar, mudar o ângulo e ver. Ver muito além.

Muitas vezes batemos na tecla de que é difícil lidar com as diferenças das pessoas e, eu não digo que não é – realmente é. Mas, digo que há beleza. Há beleza além do que podemos ver, entender ou enxergar. Há beleza e um mundo novo de descobertas e maneiras de ver a vida, através de outro alguém. De outra vida. Do mundo. De um amor.

No final deste dia, eu sorria. Agradeci por ter a chance de poder ver a vida através dos olhos de quem eu amo, convivo e divido a vida.
Na rotina, em um dia comum, os céus podem nos surpreender. Entretanto, é preciso dar chance para enxergar por outras direções também. Vale a pena.