Acabou a pilha do meu mouse. 

Eu estava no meio de um dia de trabalho quando acabou a pilha do meu mouse.

Isso significava ter que interromper um dia já não muito produtivo para ir ao supermercado comprar pilhas novas, já que ainda não tenho as recarregáveis. Que perda de tempo.

Coloquei as sandálias, peguei a máscara e fui, pelo caminho mais curto e mais eficiente.

Quando estava voltando, me lembrei que precisava comprar a areia da minha gata. Que ótima oportunidade de otimizar o tempo!

Com tudo o que precisava, passei ao lado da pracinha perto da minha casa. O caminho por ali é um pouco mais longo, mas não tem problema, é só acelerar o passo.

Mas eu não consegui. Algo me prendeu ao chão, com uma força maior do que a do ímã que segura um pedaço de ferro.

O som dos pássaros. As crianças brincando. Os cachorros correndo. Os velhinhos que jogavam carta de forma despretensiosa. Os sorrisos estampados.

Tanta vida que eu ignoraria se não tivesse acabado a pilha do meu mouse.

Olhei à minha volta. Uma criancinha subia na árvore, usando apenas sua fralda e um valente chapeuzinho que permaneceu firme em sua cabeça. Seu olhar estava firme no cachorro de outra mulher, que corria pelo jardim na tentativa de chamar a atenção de três senhores.

Esses, sentados, olhavam para a criancinha e compartilhavam histórias e risadas, talvez de seus netos ou de si mesmos quando eram também crianças.

Todo um ciclo de histórias que eu ignoraria se não tivesse acabado a pilha do meu mouse.

Na árvore mais próxima, dois pássaros pareciam viver um momento romântico. O forte canto que saía de suas gargantas era a trilha sonora que eu nunca soube que precisava para aquele momento.

Mais acima, uma revoada de papagaios, frequente em Lisboa na mudança de estações, parecia rir daquela cômica cena que eu assistia.

Tanta música que eu ignoraria se não tivesse acabado a pilha do meu mouse.

É claro que, assim como na música de Chico Buarque, tudo tomou seu lugar depois que a banda passou. 

Eu não poderia ficar ali para sempre, tinha que voltar para casa e continuar trabalhando. 

Mas no lugar em que antes se estampava uma careta de mau-humor pelo imprevisto, agora se via um sorriso de felicidade por aquele respiro na rotina.

Por vezes, estamos tão focados nos nossos afazeres e em riscar o próximo item da nossa lista de tarefas, que esquecemos de ouvir a poesia do cotidiano.

É essa poesia que nos faz desacelerar e reestabelecer as prioridades da nossa vida. 

Toda a paz que conquistei porque acabou a pilha do meu mouse.