Meu véio andou mais nostálgico que o normal nos últimos dias. Pois pra baixo trocentas fitas de vídeo e um armário inteiro de fotos minha e dos meus dois irmãos mais velhos. Quanta coisa que chamamos de vida, quantos momentos que chamamos de diversão! É difícil imaginar o trabalho que ele teve. Fotografar naquela época não devia ser simples: não tinha google, tanto acesso a câmera, processo de revelação – coisa que meu outro avô fazia na sua casa – e ainda filmar com uma super8 na outra mão, passar pra fita e depois para o DVD. Só pode ser o que? isso mesmo, um pai.
Uma noite ele me enviou um vídeo com o título “minha menina”. Eu, com 4 anos, um carrinho, brincando em uma mureta de 2 metros de altura, a menina dele sentada e suja naquele matagal. Obrigada por essa pai, uma infância livre, suja e delíciosa – foi o que pensei agora. Mas, no momento só disse: Paiê, e se eu caísse? ‘Eu pegava você, oras! como acha que eu consegui quebrar o nariz? mas, eu não podia perder aquelas fotos’, ele me lembrou quando criou asas e voou quando pensou que eu ia cair de uma beliche e estraçalhou o nariz em um degrau enquanto eu não sai do lugar. Pai, como você deixava eu me balançar naquele pé de manga, e se eu caísse? ‘Eu voava e pegava você’. Eu acredito.
A verdade é que ele quase nunca me segurou, mas me deu segurança e permissão pra me esborrachar um pouquinho, enquanto ele filmava e fotografava. Brinquei por toda infância sem medo, sem reservas, lambuzada e com um boné virado pra traz: eu não tinha medo de nada, eu tinha asas. E tinha um escudo ainda que invisível, eu sentia e me envolvia. E ele me dizia que aquele era o momento da minha vida de ganhar cicatrizes, de ganhar vida. E, quando o medo batia, eu olhava dalí do alto pro fundo do corredor do quintal, estava ele parado encostado com seu jeans sempre rasgado, esperando eu me lançar mais uma vez daquele pé de manga, daquela rampa de terra, daquele momento que sussurava no meu ouvido: a gente precisa se entregar – quando pequeno, quando grande, enquanto há vida. Da vida que ele me ensinava a viver: sem reservas. Inteiramente vivida.
Por causa dele, podiam me chamar de doida na escolinha, ‘não se pode voar’. Desculpa, mas meu pai, diz que pode e que se deve voar, por quem se ama. Hoje, eu agradeço: prefiro ser doida, do que não me entregar. Pra vida, pro amor, pro meu pai.

Me desculpe pelo nariz pai – pelo menos você ganhou uma plástica -, obrigada pela aventura da vida desde cedo e me dar o prazer de longas conversas e sermões sobre a vida. Feliz teus 32 anos de pai.