Como podemos ver em muitos momentos da história da humanidade é comum o ser humano ter ciclos e movimentos que, depois darão lugar para, um contramovimento. A dualidade impera desde que o mundo é mundo. Depois de uma geração que viveu em época de guerra e estocou, vem uma que preza pelo descanso, o desapego e valorizar a liberdade. Assim vai. Ou melhor, vamos. Concordando ou não, o movimento e os seus contramovimentos estão aí. Nascendo, sobrevivendo, morrendo, renascendo.

Até que chegou algo que mudou tudo para todas: a internet. Eu posso dizer que vi esse movimento. Estava lá quando era preciso esperar meia hora escutando o clássico som da internet discada. Lembro do meu irmão mais velho me explicando o que era um email, lembro até hoje do meu número de ICQ e dos primeiros blogs que me fizeram estudar HTML para criar uma página mais personalizada. Lembro de um amigo me contar que era possível fazer o download de músicas e mais pra frente era possível assistir vídeos em uma plataforma chamada Youtube. Foi revolucionário.

A internet conectou muitas pontas soltas da comunicação, trouxe informação, interação e a proximidade de assuntos e pessoas que talvez nunca se encontrariam ou conversariam se não fosse uma por uma rede social. Acho incrível que, mesmo depois de anos, a internet não se limita. Ao seu modo a internet agrada diferentes gerações que aprendem e cedem pelos seus imensos benefícios.

Como tudo na vida… vem a dualidade. Tudo tem dois – ou mais lados. Mas, vamos nos concentrar só em dois? mais de um lado será impossível manter a atenção da geração Z neste texto (se é que chegaram aqui né, talvez eu precise tentar transformar em um vídeo de 15 segundos com letterings informativos surgindo).

Enfim.

A internet nos deu a possibilidade de andar com uma biblioteca nas mãos. Com um ou mais clicks é possível acessarmos qualquer livro e até andar por ruas de alguns países da Europa. A internet nos fez ler mais, mas com menos qualidade. Ou talvez com menos intenção. Lemos muito, mas não nos lembramos de quase nada. Escrevemos muito, mas não sabemos dizer aquilo que respondemos minutos depois de enviar. A internet conseguiu captar uma fração importante: nossa presença.

Nossa presença online é infinitamente maior do que a offline. E não falo em questão de tempo, falo em questão de presença. De estar. Isso porque a internet nos fez desaprender a viver a vida no tempo que ela acontece.

Tenho o hábito de deixar o celular de lado pela manhã enquanto faço exercícios. Isso porque as vezes caio na tentação de ver um story no intervalo das séries. Acontece que não é só um story de 15 segundos. Penso: tenho 1 minuto de repouso vou só responder fulana ou vou só ver esse vídeo de 30 segundos. Beleza. O que acontece: eu não sei mais a razão que desbloqueei o celular. Eu olho para meu relógio e se passaram 5 minutos. É surreal.

A internet nos encantou. Enfeitiçou. Dopou.

Talvez ao passo em que a internet no apresentou muitas possibilidades e caminhos para vida, também nos podou de muita vida que habita em nós.

A vida que acontece enquanto estamos com os olhos voltados para baixo. A vida que acontece mesmo quando nada está acontecendo. A vida que nos sustenta quanto humanos e que diariamente nos convida a pensar, questionar e cair em contradição para um melhor aprendizado. A vida que passa no ritmo dela sem nos engolir. Acontece que, hoje, estamos acostumados e somos coniventes em sermos engolidos pelo wi-fi.

Parece irônico pensar que eu comecei meu instagram @ribeiro_isadora como uma forma de registrar algumas breves fotos do meu cotidiano. Eu estava em um momento da vida em que eu tinha mais contas pra pagar e perrengues pra resolver que tempo para praticar um hobby. A famosa vida adulta tinha chegado. Eu, uma apaixonada em me encantar pelas miudezas da vida, me senti sugada. Senti que pouco a pouca a vida estava escapando de mim. Eu não tinha mais olhar aguçado para ver aquilo que acontecia sem que fosse preciso acontecer algo. A arte. A poesia.

Pensam que artista é quem faz, mas artista é quem vê arte. A arte está em nós e, quando damos espaço, transcende para fora em outros espaços, versos, pessoas, cores e tecidos. Arte que, nas palavras de Nietzsche, “A arte existe para que a realidade não nos destrua”. Somos transformado através do nosso olhar artístico para com a vida. Essa troca é o que nos realimenta quanto humanos. É o que nos salva.

Periodicamente eu me confronto sobre meu trabalho. Me questiono – tanto! – com uma frequência altíssima sobre minhas razões de estar me comunicando e há todo instante causando estímulos e reforçando signos que passam inconscientes para quem está aqui digitalmente. Tudo isso acontece na vida offline, mas na internet ganha um efeito palco maior e, por isso, assumo que merece um cuidado dobrado. Como produtora, a minha responsabilidade sempre foi muito clara, mas quanto consumidora… demorei alguns bons anos para aprender – ou melhor, ainda engatinho.

Não foi, nem dez, nem mil vezes (acho que não é exagero) que a internet roubou meu tempo. Roubou minha estima e meu olhar para com a vida. Estou dia após dia encontrando maneiras de como estar aqui e também estar fora. As vezes funciona, muitas vezes não. Mas eu continuo. Pois não acredito em uma vida cem por cento offline, não acredito em uma vida cem por centro online e só vejo angústia entre estes extremos para os que oscilam entre a dualidade de estar conectado intensamente 5 dias e 2 dias “fora”.

Acredito que a revolução digital aconteça quando aprendermos a dar o devido lugar que a internet merece e utilizarmos o nosso lugar de honra, com nossas experiências, vivências e sensação múltiplas, esse presente de ser humano.

É preciso treino. Precisamos reaprender a cultivar e permitir que nosso olhar seja cativado pelo pouco, pelo devagar, pelo ágil, pelo sutil, pelo inútil, por não saber, pelo sabor, pelo cheiro, pelo disparar do coração, por aquilo que não sabemos descrever mas continuamos tentando. Coisas que nos dão sinais e, se não estivermos conectados em nós, deixaremos passar as sutilezas que constituem a vida como viva.

Tirar foto é bom, postar é gostoso, foto com filtro é legal, compartilhar é incrível, mas ver com o coração essa beleza da vida que mora entre cada grid, entre cada frame, entre cada folha de revista, entre cada resposta no WhatsApp… é necessário e responsável. Da sua parte.

Não espere uma blogueira te falar isso, lembre- se sempre. Por você.

A sua vida, on ou offline, é que te pertence. É por aí que andam as sutilezas da vida.