Aquela era uma noite de terça-feira, com um calor insuportável daqueles quase impossíveis de dormir. Deitei e fiquei por um bom tempo olhando pra aquele teto gasto e de tinta amarelada, mas aconchegante. Lucy estava deitada esparramada dormindo no piso que estava geladinho. A casa estava ainda com barulho da TV e uma leve brisa das janelas abertas. Escutei de longe os barulhos dos pés dele e uma porta e janela sendo trancadas. Ele chegou, deitou do meu lado e mesmo cansado, resolveu me acompanhar olhando pro alto. Até que saudosamente começamos a falar da vida, vocês sabem: “você ligou pro carreto? a roupa do varal secou?” até “lembra quando tínhamos tempo de sobra para cozinhar? e do dia em que derramei leite na parede?” e assim, ríamos com o passado. Conversa vai, conversa vem. As palavras voaram da minha boca dizendo:
– O que eu mais te ensinei nesses 4 anos? – ele deu uma risadinha e o silêncio ficou no ar.

Eu sabia que minha resposta corria um risco. Na verdade, eram 3 riscos: Primeiro, quem não trava quando nos perguntam essas coisas?. Segundo, ninguém gosta desse tipo de conversa. Terceiro, ele não é um homem de longos discursos, eu sabia, mas de pequenas e doces atitudes. E enquanto tudo isso passava na minha cabeça, ele espontaneamente respondeu:
– Já sei! Tu me ensinou a gostar de comer melão.

Jura, meu amigo?! Mas, na hora eu ri, ri demais. Pois ele disse a coisa mais óbvia dos últimos dias. E ele me abraçava forte rindo sem parar. A luz apagou. A casa agora estava silenciosa e já não tinha mais o teto para enxergar. E então eu que estava para virar, dormir e aceitar a tal resposta do melão como meu troféu em 4 anos de relacionamento e amizade juntos, escuto agora uma voz um pouco mais leve que dizia:

Tu me ensinou a dizer “nosso” e não “meu”.

Sorri por dentro, com todos os jeitos e formatos de sorrir. Pode parecer demais, mas eu sorri assim, eu juro. Sempre tem um lado do amor que se entrega mais rápido que aceita a vida conjunta de uma vez. E eu me lembrei que essa era eu,  há 4 anos atrás, chorando com a maquiagem borrada no travesseiro, pensando e imaginando onde tudo iria parar e se um dia esse alguém saberia conjugar a vida no plural comigo ou se seria apenas mais uma saudade. E ele queria, mas precisava do seu tempo, agora eu entendia. E hoje, divido a saudade do que já vivemos, junto com ele, que sonolento falou com a cabeça enterrada no travesseiro:
– Pequena, você sabe, não se pode viver só de saudade..

Parecia que ele estava ouvindo o que eu pensava ali, quietinha na minha cabeça. Me virei e sorria sozinha por dentro vendo o quanto era bom reviver, redescobrir e renascer. Eu já não era mais uma menina de 18 anos com interrogações apaixonadas no olhar. Eu já sabia respirar e achar graça mesmo se fosse pelo prêmio do melão.

E esse era o tão inocente e fanfarrão do amor, outra vez me relembrando: que nem só de saudade vive o amor. E nem só de pronomes no singular, vive o homem.