Um dia eu olhei meus desenhos de quando eu era criança, com mais ou menos 7 anos. Mergulhei fundo no meio de todas aquelas lembranças, cores e borrões. Eu sorria e sorria, virando cada folha daquele caderno fininho. Eram poucos desenhos, acompanhados de frases com gigantescos erros de português, mas que com certeza não me impedia de tentar me expressar. Olhei e percebi que de todos os desenhos, mais da metade eram sobre minha família. Todos desenhados com traços largos, tremidos e sem muita harmonia, mas todos desenhados bem pertinhos. Era uma declaração silenciosa e inconsciente sobre o amor. Sobre meu lar. O lar que eu desenhava ali sem uma casinha. Não sei porque. Talvez eu não soubesse ou não conseguisse juntar os 5 pontos necessários para fazer uma simples casinha. Ou talvez porque, com aquela minúscula idade, eu já soubesse que não é apenas com um belo teto que se faz um lar.

Um lar ás vezes é não ter teto, mas ter um ombro. Te faz sonhar e pensar que você pode ser às vezes fraco, mas que se tiver esforço pra sonhar, não tem nada que não se possa fazer para sorrir e amar. Afinal, um lar nos dá raiz em meio a tantos redemoinhos da vida. Um lar… Um lar dá saudade! Saudade daquele cheirinho de pão fresquinho no fim de tarde quase como uma melodia que se canta com um café quentinho, rodeada de sorrisos ou choros também. Um lar é saber que tem momento pra se sentir tudo, só que agora nunca mais sozinho.

Com o caderno nas mãos, eu olhei para o lado e vi um homem com o sorriso que já sei de cor, olhei para o outro e vi um focinho que imita um pequeno coração. Meu lar mudou um pouquinho. Ou melhor, aumentou. A gente consegue se sorrir. A gente nem sempre se bate nas ideias, mas se esforça pra se gostar sempre mais. A gente às vezes ainda quer fugir, mas queremos ir juntos agora porque vivemos melhor de mãos dadas. A gente funciona. Mesmo às vezes tudo indo pra baixo, é sempre um bom momento para reconstruir e agradecer. Descobrimos como ser um lar dentro de nós. Um lar em que podemos ser nós mesmos à vontade, com os defeitos abertos e as qualidades se completando. E muitas vezes, escolhemos amar o imperfeito porque ele é perfeito pra nós. Um lar é um pedacinho nosso, vivendo em outro lugar: a gente consegue sentir, sofrer e viver tudo, tudo junto na nossa vida, como se fosse mesmo nossa. E de certa forma, até que é.

Lar é guardar as nossas melhores cores para cultivar e colorir dentro do cantinho da alma de alguém.
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E no fim do dia, eu passei tanto tempo olhando aquele caderno que ainda tinha o perfume da minha infância – um leve cheirinho de giz – , e só conseguia pensar em como tudo é tão mais fácil quando vivemos e desenhamos, sem medo. Quando nos permitimos ver o universo com outras cores e outros modos.

Lar é gastar todas as palavras e ainda assim não conseguir dizer, pois ele está nas atitudes mais simples da vida que muitas vezes deixamos de lado quando crescemos e paramos de arriscar.

Um lar é não saber e mesmo assim, voltar a desenhar junto com a alguém. Voltar a colorir, mesmo se nada combinar. Pra vida ser melhor. Pra ter amor. Ter cor e ser… Ser lar.