Hoje, 09/03/2020, meu corpo fez- se dois. Me parti, em duas partes ou mais partes, pari. Com respeito, sem intervenções, receios, uma força que eu não imaginava ser capaz de persistir e com a pressão das mãos do meu marido impulsionando meus quadris.

Acordei me sentindo bem, disposta e com energia. Gravamos um vídeo contando sobre nosso grão de Gergelim ser um gurizinho. Estava feliz em compartilhar com vocês essa peripécia safada que ele fez na ultra e que miou nossa emoção da surpresa.

Me deitei, cochilei, íamos no shopping comprar a cortina pro quarto dele e pro meu home office, desistimos. Estava preparando minhas coisas para ir para SP, tinha uma gravação super legal em uma emissora pra falar sobre felicidade, ironicamente também era uma semana que me ofereceram um trabalho que incluia uma viagem internacional e eu neguei pelo período da gestação, mesmo estando tudo bem.

Pelas 18:30h senti uma pressão nas costas junto a clássica contração de treinamento que vinha durante vários momentos na gestação. Estranhei. Não era dor mas era diferente. Achei que poderia ser por ter cochilado toda torta no sofá pós almoço. Foi dia em que lavamos as últimas peças e fraldinhas do Levi, então resolvi sentar pra passar tudo enquanto Fabinho trabalhava. 19h Cogitei em cronometrar, estava bem irregular. Continuei cronometrando, fui terminar de passar a última leva de roupas RN de Levi e ia e vinha, ia e vinha. Mesmo. Acho que tem algo aí. Comi uma banana com granola, fui tomar um banho, me ajeitei para deitar e continuava.

“Será que é isso que tô pensando? Não pode ser”.

Talvez eu soubesse mas quisesse me enganar que não era nada pelo medo do tempo dele adiantadinho e ter ainda tanta coisa pra resolver no nosso bloco de notas do bebê.

20:30h Chamei o Fábio, ele ligou pra nossa médica super atenciosa e querida, ela nos orientou ir para o hospital aqui. Colocamos comida pros cachorros, peguei minha bolsa e botei um chinelo no pé.

21h Chegamos no hospital e na recepção me perguntavam e eu já não conseguia responder quando uma onda de contração vinha e depois de tanto ler eu já sabia o que isso significava: estávamos mesmo em trabalho de parto.

Ainda assim, estava na esperança de conseguirmos mantê-lo um pouco mais no forninho. Toma comprimido inibidor, antibiótico pro pulmão, fala com a médica alinha com a do plantão, toque com 4/5 de dilatação, deita e espera… deita e espera… deita e espera, 20 minutos que duraram uma eternidade na pior posição de todas (pra mim) mas que poderia ajudar a mantê-lo mais tempo ali comigo. Me mudaram de enfermaria para uma mais vazia, sentia uma pressão maior, nessa uma hora e pouco, já fomos pra 6/7 de dilatação.

Era difícil acreditar que estava realmente acontecendo. Agarrada no braço da cama, trocava áudio enquanto Fabinho estava cuidava de toda papelada, ele falava que me amava, eu dizia que as dores estavam piores e ele me dizia que achava que era hoje que íamos conhecer o nosso grande grão de amor. Ainda era difícil acreditar. Ele me dizia, “imagina em uma maratona: a gente sente, acerta a respiração e só vai, vai, vai” – precisava acertar, aceitar e deixar ir.

22h e pouco Fabinho chega e eu percebo que era hora de me despedir. Era hora de dizer adeus para aquele universo em mim, minha barriga, aquele mundo caloroso e que envolvi e zelei ainda mais nos últimos 8 meses. Com Fábio colado ao meu rosto, apertando suas mãos e a outra na barriga, fiz minha espécie de oração: “filho, fui sortuda por te carregar, foi um privilégio. Hoje mesmo disse que te carregaria por pra lá de mais meses já que o tempo passou tão rápido, mas eu sempre disse que respeitaria seu tempo, sua hora e eu não a posso controlar. Vem, filho, te deixo vir, aceito.. você sabe nascer, eu sei parir” olhei nos olhos de Fábio: me lembra de respirar, a cada contração estaremos mais perto.

Fomos para o chuveiro quente onde fiquei de joelhos e com o corpo prostrado em uma cadeira de plástico na minha frente. Coco, sangue, dor, coco, sangue, dor. Fábio apertando meu quadril, limpando o chão, me limpando com sabonete, pausa. Eu olhava pros olhos dele e sentia tanta coisa, dentre elas medo, medo do paredão dos 32km de uma maratona que vem pra nos parar, pra duvidar de quem somos, o medo do desconhecido, pra não nos deixar ir além.

Lembrei da nossa foto de mãos dadas na minha meia maratona que estava na nossa geladeira junto ao ultrassom do Levi com um imã escrito: o amor é imã. Sorri pra ele e beijei uma lágrima em seus olhos. “Como você pode sorrir agora?”, pois estamos juntos em mais essa, amor – eu disse.”vamos lá? Lembra de respirar…” Fábio já estava no ritmo.

E voltamos para o looping em mais uma contração. Quase 00h Levantei, 9 de dilatação, fiquei de cócoras no pé da cama, minutos tempo depois me levaram a sala de parto e a bolsa estourou. Minha ficha caiu, enquanto jorrava água e deixava levar meus desconfortos.

Luzes brancas, muita gente, acesso no braço por conta dos remédios quando cheguei, não era o cenário que eu imaginava. E cada contração me dizia: é agora, você precisa fluir mais, mais, mais… Fechei os olhos, imaginei meu mundo, meu cenário. Mudava toda hora, era outro planeta, tela preta, olhava nos olhos de Fabio que dizia baixinho: Respira amor, ajusta a força, concentra, respira.

00:55, após 3 forças prolongadas e eu estava em outro espaço onde senti meu corpo se fazendo dois. Onde a dor não existia mais e abria espaço para um vazio, mais leve, confuso e repleto novamente só de mim.

Uma nova eu. Pude ver meu filho por alguns minutos em sua pequena cuba, não consegui decorar seu rostinho. Repetia enlouquecidamente se ele estava bem, me respondiam em todas que estava ótimo e o levaram. Fabio ouviu seu choro na outra sala e chorava enquanto me abraçava: obrigado por me proporcionar esse momento.

Levantei da maca, meu corpo tremia de cima abaixo, uma onda de energia, adrenalina, sangue e mais sangue escorria e uma enfermeira querida que me dava banho. Fabio assinava papéis enquanto outra carimbava meu dedo e eu nem imaginava o porquê. Eu vivi tudo aquilo? Como? Era difícil acreditar…

Não foi o parto que eu imaginei. Mesmo me desapegando de muita coisa durante a gestação como não idealizar ter a posição X, a banheira Y, conseguir fazer fisio (considero muito importante td, não é sobre isso, por favor compreendam o contexto e os pesos)… Eu sabia que nós quem íamos nos fazer (re)nascer. Só não sabia quando.

Não teve a playlist que criei, luz baixa, aroma de lavanda, golden hour, não carimbei minha placenta, não pendurei as frases que repeti pra mim mesma na parede, o primeiro banho não foi em casa, não temos nem a mala da maternidade e saímos de casa conversando sobre a 36 semana ser pra congelarmos marmitas pro pós parto… Mas o tempo não nos pertence. Foi o parto que nós precisávamos viver, eu acredito.

Foi o parto que eu sonhei: meu filho nasceu, eu renasci, nós renascemos. Multiplicamos a vida, nossa vida… agora, que recomece!

Um dia por vez, com calma, alma e dançando com a vida. É assim que Levi já nos ensinou a levar a vida.

Obrigada pela surpresa, filho. Por tirar nossos tão falsos e superficiais alicerces pra darmos espaço para mais realidade e o que é essencial. Como diria sua irmã Lucy, nossa vira lata, foi o melhor dia da nossa vida.

Você é além de tudo que sonhei!

Levi está muito bem, titias e titios. Com bom peso, sinais ótimos, sem infeção alguma, respirando melhor a cada dia e já começamos a ensaiar a nossa jornada da amamentação… dando seu tempo para depois ir pra casa com todo time completo. Obrigada por serem gentis, amáveis e respeitosos conosco. Vocês fazem a diferença na internet pra mim! Amo vocês!