Na verdade, ela não pode. E a outra verdade é que ela se esforça pra respeitar uma das poucas regras que ela tem aqui em casa: nada de subir na cama.
É simples, bem simples, parece simples. E ela é paciente. Nos espera acordar, bonitinha e sentadinha, mas qualquer respiro mais profundo que seja, o jogo foi entregue. Lá vem o fuço gelado na nossa cara. É assim, todo dia. Pode ser as 5 da manhã ou à uma da tarde, ela interrompe seu sono e vem quase que sorrindo e voando com o rabo girando freneticamente em nossa direção: vocês acordaram galera, que saudades! parecia que essa hora não ia chegar nunca, nunca, nunca, eu até contei, ju-ro! – não sei o que é, mas eu tenho quase certeza que era isso que os olhinhos diziam. E tudo isso, sem pular na cama. No máximo apoia as duas patinhas pra nos espiar.
Ela faz a festa, depois aquieta durante o dia. Até que chega o fim da tarde, hora do cafézinho, sento na cama. Ela vem, manhosa e já me olha de baixo pra cima, vulgo olharzinho do gatinho do Shrek: mas, porque eu não posso? eu tomei banho, limpo as patas e meu pêlo esquenta seus pés, você adora que eu sei. Hum, droga! Ela me conhece. Engulo seco o café, balanço a cabeça negativamente, ” não Lucynha, não foi dessa vez”. Já é noite, ela já desacelera a energia de vez, ele assisti TV e eu tenho o meu livro na cama ou uma série qualquer pra assistir onde? na cama! E ela senta na caminha dela e mais uma vez os olhinhos, mas desta vez, eles não falam, eles GRITAM: eu sei, meu lugar é aqui.
E, é. Mas, quem sabe só hoje? Luuucy! E já foi. E eu nem tinha terminado sequer de escrever.
Ela se segura “sem movimentos bruscos, qualquer farra ou exaltação você desce, Lucy, se controla! Foco!“.  Mas, não adianta, ela se empolga, gira, gira, lambe a cara, quer encostar e vem sambando sentada. Até que são pronunciadas as palavras mágicas “Oh, vai descer”. Ela trava. Empaca. Do jeito que estiver, ela arregala o olho, sabe que é sério. E não, não quer descer. Mas, também, quem disse que a gente quer? a gente tem saudade, quer afofar, quer companhia quando um resolve madrugar no sofá, em uma linda noite geladinha, só pra fazer um dueto esquentando nossos pés ou nas noites tristes, em que mal queremos levantar dalí: ela é pau pra toda obra, aguenta o que der e vier com muito carinho e calor. Mesmo que depois a gente perca 20 minutos batendo a cama, lençol e a coisa toda pra tirar os pêlos, pouco importa. Coisa bem boa essa, que é te ter por perto, onde e como for, amigona.