Aquele foi um dia comum super incomum

Chuviscou o tempo todo naquele dia só para deixar a história mais dramática e real, mas, ainda assim, era um dia comum como outro qualquer para nós. Quer dizer, a gente pensava. Ele iria para um estúdio trabalhar com sua barba desgrenhada e ela trabalharia em casa ao som da televisão que nem ao menos assistia – ligava só para ter barulho na casa como companhia. No fim da tarde ele liga, contando que brincou com uma cachorrinha linda, dócil e super carinhosa na rua. Isso, pra gente, não é novidade nenhuma. Já chegamos ao extremo de carência canina de entrar em um hotel de cachorros, fingir ter um, só para brincar e ser lambido por todos os cachorros de lá. Isso era o que aconteceria na nossa cabeça. No final todos os cachorros ficavam protegidos por um vidro para um imenso quintal. Saíamos de lá pensando que estava na hora de aumentar a família. Está na hora de termos mais um para esmagar em uma noite gelada, alguém para preencher o barulho da casa em um dia calado, animar os passeios e ouvir nossos desabafos com uma opinião neutra.
Era isso tudo o que faltava.

Mas não é bem a gente quem decide essas coisas.

Aquele dia ele me contava com uma empolgação extrema que ela era super companheira e já andava ao lado do filho do amigo dele sem coleira e eu, nesse momento, estava sentada no sofá sorrindo, com uma mão segurando o celular na orelha e a outra esfregando os meus pés gelados de frio ouvindo toda a saga daquela cachorrinha perdida. E o fim da história? Ele chegou em casa, me mostrou a foto que ele e a cachorra tiraram juntos e me contou que ela tinha encontrado um lar: iria embora com o filho do amigo dele para a casa e teria uma nova vida, um novo rumo, teria quem chamar de família. E isso, pra quem, como nós, adora um final feliz com um cachorro a salvo, era o melhor dos finais que poderíamos ter aquele dia.

Eu pensava comigo mesma o quanto aquela cachorrinha tinha de sorte por estar no lugar certo e na hora certa, mas quem estava, na verdade, era ele. Ele sorria feito besta com ela nos braços na foto.

Esse era só o fim de um dia comum e bem feliz para aquela cachorrinha. E eu? Ainda estava na companhia vazia do barulho da TV ligada, abraçando meu café entre as mãos e passando um frio danado nos pés. E ainda não era inverno. Era um frio que cobertor nenhum consegue resolver e esquentar. Um frio de casa vazia. Um frio de um novo momento na vida de quem vivia a vida em quatro pés – e precisava de um algo a mais.

No meio do caminho tinha uma cachorra

O dia seguinte ao dia comum, começou mais comum ainda. Era dia 06 de abril.
Eu tirei meu pijama, lavei o rosto, fiz meu café, trabalhei, almocei, tomei outro café, me despedi dele e segui caminho para fazer a minha última prova da faculdade. Meu celular tocou e por um instante não o atendi – odeio falar no telefone e odeio falar no telefone em ambiente fechado com outras pessoas. Era rotina até as 16h30, mais ou menos, até que..

Ele acordou cedo, vestiu uma roupa qualquer, lavou o rosto, ajeitou a barba, tomou café, se despediu de mim, foi trabalhar e me ligou. Desta vez, eu atendi.

Atendi o telefone e, quando desliguei, lá estava ele me contando o clímax da semana, do mês, do ano e até mais. A rotina, para terminar o meu dia, seria a mesma, mas eu sabia que algo seria diferente quando eu abrisse a porta do quarto.

“Mas que cachorra?” E ele desligou o telefone e só sabia que ela tinha 19 quilos, porte médio e que eu surtaria quando visse o tamanho dela em 45m². Com 0 ou 10 na prova, eu só queria estar em casa e poder viver tudo isso que eu já sentia em outro lugar.

O dia já não era mais comum e, desde então, nunca mais foi – e a gente queria isso já fazia tempo. Seríamos um time. Ou melhor, já éramos desde as 16h30 da tarde, pois no meio do caminho tinha uma cachorra, com o desenho de um coração no fuço, que seria o começo de muita coisa: uma família. Pois um lar, já éramos há tempos.

“A cachorra da foto”, ganhou o nome de Lucy e nossos dias nunca mais foram os mesmos. O maior achado que a vida poderia nos dar. A responsável, desde então, pelas nossas melhores histórias.

Depois deste dia, sempre atendo o celular quando ele me liga e, se ele diz “achei algo legal e acho que vou levar para a casa”, eu só digo sim. Êta cara de sorte!

Afinal, ele achou um diamante na rua.

 

 

Ps: Escrevi esses 2 textos 3 anos e meio atrás e foi impossível não postar aqui.
Agradeço todos os dias por estes dias terem existido.