Minha mãe correu comigo na barriga até os 3 meses de gravidez, pois ela não sabia que estava grávida. Depois de descobrir e de fazer uma bateria de exames, o médico disse “essa é guerreira, pode continuar, mas devagar”. Nasci e depois de uma infecção hospitalar fiquei 20 dias na UTI. Ao sair do hospital, o médico número 2 disse pra minha mãe “esse coração é de ferro”. Cresci. Passou. Eu sempre fui elétrica e me enfiava em tudo quanto é esporte ou qualquer coisa para preencher meu tempo. Meus pais deviam ficar malucos. Correr quando eu era nova era tão fácil. Eu era das baixinhas que no pega-pega ninguém conseguia alcançar. Às vezes eu ficava no canto da quadra e nem chegava a suar. A vida foi passando e usei botinha ortopédica para ajustar os pés, fiz fisioterapia no joelho por uns 2 anos de jogar futebol. Eu não corria, eu fugia.

Sempre fui responsável e fissurada em conquistar meu espaço e isso me custou um pouco essa diversão. Comecei a trabalhar cedo, por isso ganhei umas rugas de gente adulta com 17 anos. No final do dia o que mais me dava saudade era do tempo em que eu e meu irmão ficávamos batendo bola no quintal. Ele brincava que eu seria a nova Sisi. Nunca me passou pela cabeça isso, mas eu gostava de sentir que ele acreditava em mim. Me fazia acreditar. Porém não o bastante para continuar.

Por anos eu achei que não tinha força de vontade. Comecei teclado, fiz 3 anos, parei. Comecei violão, 2 anos, parei. Aula de futebol, 3 anos, parei. Ballet, uns bons anos, parei. Hoje, entendo que a vida tem os seus ciclos e eu tive os meus focos em cada fase. Hoje sei que o meu maior erro, foi ter me deixado de lado e ter confundido hobby com o que eu amava de verdade fazer. Foi quando anos e anos depois a corrida apareceu na minha vida. Ou melhor, na do meu cunhado, depois para meu namorado e então pra mim. Na verdade eu nunca achei que fosse correr. No aeróbico na academia fazia bicicleta enquanto respondia emails do trabalho no celular. Não via graça. Um dia meu namorado me falou: Não quer fazer esteira comigo hoje? Eu não sei respirar e meu joelho é zoado, já era a minha fala ensaiada. Ele insistia, “sei que vai gostar”. Até que um dia eu resolvi tentar.

Cresci a vida toda ouvindo que eu era delicada demais pra muita coisa que eu gostava de fazer. Isso me deixava irritadíssima. Odiava minha pequena altura por isso: me tiravam pra frágil e fofa – no sentido diminutivo.  Até que sem perceber deixei-me convencer que eu era tudo isso mesmo. Demorei anos para entender que sim, eu estava fisicamente fraca por ficar anos parada, mas era só uma questão de fortalecer. Nunca quis ninguém para me defender ou carregar os meus pesos. Comecei a fazer exercícios para fortalecer joelho, perna, articulações, panturrilha, costas, peito, ombro. Me preparei. Para mim. Foram quase 2 anos de corrida para entender que delicadeza, não é sinônimo de ser frágil, mas até então, tive umas briguinhas internas comigo mesma.

A corrida me cobrou em poucos meses o que a vida me pedia até então: dar tempo e persistência. Tempo eu passei a arranjar, persistência era e, é, algo diário. Uns dias são mais fáceis e outros mais duros. Cada dia é algo diferente. Mas a sensação de finalmente parar alguns minutos para desgastar o corpo e deixar meus problemas a cada km, virou amor.

Quando consegui entender, ainda bem, estava em tempo: eu não precisava do médico 1, médico 2, meu irmão ou meu namorado acreditando em mim. Eu precisava acreditar em mim.

Acreditar em sí mesmo não é uma questão de se achar superior e falar da boca para fora que você pode tudo. Acreditar em sí é se dar a chance para ver até onde você pode ir. É entender os seus problemas, defeitos e desafios para lidar da melhor forma possível com eles.

Correr para mim nunca foi apenas sobre o ato em sí. Nunca foi sobre o verbo correr. Correr foi um favor que fiz ao meu coração: o que hoje eu sinto pulsar fisicamente melhor e o que vai até a boca sorrir diariamente após terminar uma corrida.

Correr pede persistência. Hoje, vivo bem, bem melhor. Voltaria e faria tudo de novo. Ou melhor, procuro fazer isso a cada dia.

Nunca desista de algo que faz o seu coração subir pela boca. Nunca desista de algo que te faz bem profundamente como ser humano. Nunca desista de algo que te faz sorrir.

Correr? Recomendo.