Um dia uma professora de literatura tomou da minha mão um caderno em que eu escrevia. Eu contava que aquilo uma hora iria acontecer, afinal eu vivia com ele colado em mim. Eu diria que aquele caderno grande e de capa dura, era quase uma extensão dos meus confusos e intensos pensamentos. Eu passava aulas e aulas escrevendo, olhando ou batucando a caneta nele. Não era por mal: eu estava apenas escalando dentro de mim.

Aquela professora de literatura era alta, com cabelo curtinho e tinha uma voz forte e grave. Ela era do tipo que fazia todo mundo gostar da matéria dela, devido a paixão que transmitia em cada frase que recitava. Ela era exigente e, por muitas vezes, brava. Portanto eu sabia que estava ferrada. No final da aula ela me chamou, esperou todos saírem para o intervalo, me entregou o caderno com um sorriso no rosto e mantendo todos dentes visíveis, disse:
– continue escrevendo.

Eu não tinha muito o que dizer. Ninguém nunca tinha aberto aquele caderno além de mim, por isso estava um pouco envergonhada. Abracei o meu caderno, fui até a minha mesa, agachei e o coloquei no bolso mais escondido da minha mochila. Ajustei meu agasalho no corpo, acenei com a cabeça e sai apenas escutando o som dos meus pés no piso de madeira. Nós duas nos entendemos naquele silêncio. Eu continuaria a escalar e ela me ajudaria a criar asas.

Por anos mostrei meus pequenos versos para ela. Ela sorria, me entregava e sempre dizia firme, “continue”. Ela não fazia nenhuma marcação de caneta vermelha e nem colocava uma nota no canto direito do papel. Continuei a escrever, mas com o tempo passou a ficar mais difícil. Eram verbos, conjugações, acentos, pontos e vírgulas para me preocupar. Resolvi um dia perguntar para ela sobre uma dúvida em um texto e ela bateu a capa do caderno, como se fosse uma gaveta antiga, com força e apenas me disse: continue.

Um dia ela leu e não sorrio. Pensei ter escrito besteira, mas pude ver uma lágrima que ela não fez questão de enxugar, presa no cantinho dos olhos. Peguei meu caderno, não disse nada e caminhei em direção a saída. Antes de passar pela porta, ela disse:
– continue com o coração.

Naquela idade eu não entendia bem o que aquilo poderia significar. Achei que era mais uma das maluquices da cabeça dela. Anos depois, eu colecionava cadernos e arquivos .txt no computador sem nunca mostrar para ninguém. Até que chegou o dia em que a pessoa que eu estava envolvida, leu um texto que eu tinha deixado aberto no computador e me disse:
– caramba, você assassina o português. Dei uma risada alta, forçada e respondi com ar de indignação:
– isso aí? não é nada. Nem deveria estar aí.

Com dor no coração eu coloquei as mãos no mouse e deletei o arquivo na frente dele. Eu estava errada e sabia. Aquilo era sim alguma coisa. Era algo que meu coração, com palavras tortas e erradas, tentava dizer. Nunca mais escrevi. Bem tonta.

Depois disso tive 3 blogs onde eu atualizava e uma semana depois apagava. Não compartilhava com ninguém e torcia para que ninguém lesse. Um tempo depois, me vi sozinha e escrever virou minha melhor companhia. Comecei a tentar estudar, ler, me informar e passei a me importar em concretizar. Eu me ouvia, criava, escrevia, fotografava e pintava. Fazia o que sentia que gostaria de fazer abraçando todas as imperfeições.

Um dia conheci alguém que se tornou meu grande amigo em poucos minutos de conversa. Ele viu uma foto e leu um texto meu e olhando nos meus olhos, me disse:

– você deveria considerar trabalhar com isso. Ri na cara dele. Falei que nunca ninguém entenderia minha cabeça confusa e, ele ainda olhando para o texto, continuou:
– ainda que alguém irá revisar para você futuramente, podemos melhorar tudo isso juntos com o tempo. Mas continue.

Continuamos até hoje amigos e me tornei esposa dele. Também continuo até hoje assassinando o português, errando regras de fotografia e falando de maneira confusa muitas vezes. Não me orgulho. Leio, me informo, releio, pesquiso: merdas passam, a essência fica. Decidi que não iria mais virar um entulho de sonhos por medo de errar ou por tentar sempre acertar em tudo. Com tudo. Com todos.

Hoje não sou expert em nada, somente em falar e dar ouvidos ao coração. Em resposta leio mensagens e recados que me fazem dormir em paz, pois mais do que ganhar o prêmio da língua portuguesa ou um troféu na fotografia, consegui tocar um coração ou causar uma reflexão sobre a vida.

Continue. Com o que você tem, com o que pode, com o que sente, com a sua verdade. A gente aprende. Continue.

Se não tem aquilo, vai com isso. Se falta outra coisa, teste e valorize a que tem.
Só não desista do que te faz bem e traz paz. Alguém precisará cruzar com isso no caminho da vida e ficará com o que é bom e é essencial.

Você já sabe o que eu vou dizer agora, mas repito quantas vezes forem precisas, pois repetiram e repito todos os dias para mim…

Continue. Continue com o coração.