Foi no final do ano quando ouvi o Fabinho me dizer: Vou fazer a prova da meia maratona. “Quantos são mesmo? Ah, 21km, você é louco”. Na hora ele falava animado da planilha de treino e, enquanto isso, apenas uma coisa passava na minha cabeça: O que faz alguém correr uma meia maratona? O que leva alguém a ficar praticamente 2 horas correndo?

Barba me falava do trajeto. Não teriam praticamente subidas e era próximo de casa, um percurso que estávamos até acostumados. Não me perguntem o porquê, mas meses depois começava a fazer sentido me inscrever. Senti uma ponta de confiança ao pensar: Será que eu consigo? Vamos ver, me respondi em voz alta. Me inscrevi faltando 2 meses e 8 dias para a prova e o frio na barriga começou com um misto de tranquilidade e paz interior que me arrisco dizer que, só quem corre consegue sentir.

Fabinho mergulhou nessa comigo, como em todos os meus projetos furados ou os relevantes que me enfiei nestes 6 anos juntos. Acordávamos cedo, calçávamos os tênis, protetor, protetor labial, mochila de água e fugíamos. Todos os domingos, lembrava daquela pessoa que 8 meses atrás não conseguia respirar por 300m. Mas, que resolveu não parar. Desde o meu primeiro 1km, até os 15km, 16.5km, 18km, 19.5km, ele esteve em todos. Eu repetia: Só tenho que ir e voltar. Ele ria.

Eu sempre pensava que motivação faria alguém correr por tanto tempo? e o tédio? e a vontade de sentar e não fazer mais nada? a ansiedade de chegar em casa e ir para o almoço de família? os emails não respondidos? o trabalho? A verdade é que tudo isso é apenas um detalhe, quando se esta correndo. Me arrisco em dizer que quase não faz mais importância. Foi aí, que peguei gosto. Descobri que quanto mais longe ia, mais tempo eu ganhava de coração leve, mente tranquila e serenidade para os trancos da vida. Eu teria mais tempo para pensar, pensar em tudo e terminar sem lembrar de nada. Olhar para o asfalto se tornou a melhor terapia que eu poderia fazer por mim mesma. Era neste tempo que eu me aturava e brigava com meus monstros interiores. A insegurança, o medo, a ansiedade e a falta de compromisso. Cada quilômetro a mais, a recuperação doía um pouco mais, mas mal sabia eu que este era o combustível.

O melhor de correr é que tanto faz se você se está bem ou mal. Na verdade, se estiver mal é melhor ainda. Já corri com lágrimas no rosto, com o peito angustiado, brigada com o Fábio, ansiosa com resposta de trabalho: em todas elas, marquei meus melhores tempos. Terminava a corrida dando a importância certa para aquele problema e de que uma hora as coisas vão se resolver. E se não resolver, tudo bem também.

Há quem diga que o nosso semblante mudou desde que começamos a correr. Criamos um certo sorriso, sem estar sorrindo. Uma tranquilidade e leveza física, mas muito mais mental. Foi correndo que entendi que meu corpo é a minha casa e que preciso cuidar bem dela para que funcione bem. Foi correndo que entendi que posso ir além, mas que manter um passo seguro e bem administrado também é importante. Foi correndo que descobri que o trajeto não importa, quando se tem vontade de seguir em frente. Foi correndo que senti a minha fragilidade à flor da pele, mas que não chega nem perto da força que há em mim e eu não sabia. Hoje, apenas corro.

pésVi gente nova e muita gente com 60-70 anos. Minha vontade era parar e dar um abraço. Chegamos nos 16km e já não importava mais. As pernas sabiam o caminho. Ao mesmo tempo, o problema estava mais em cima: a mente. Esta talvez seja nosso maior desafio no asfalto ou fora dele. Barba queria registrar minha chegada e foi mais rápido nos últimos 3km. Por um segundo, me senti só. Uma solidão diferente. Eu estava com 3 mil pessoas ao redor e eu poderia parar, ninguém me impediria. Comecei a ver pessoas caminhando, sentadas no meio fio. Outras olhando para o relógio religiosamente, mudando de música constantemente, comendo gel de carboidrato para dar energia. A verdade é que nada disso funciona, se você não esta seguro com a sua mente. Ela te dirá para parar e você pode. Mas, por quê? “Tô chegando em casa“, eu pensava. Eu tinha energia em mim, mas minhas pernas me diziam outra coisa. Olhei no celular pela primeira vez na prova e faltava 1.100km. Apertei o passo. Controlei o impacto e fui. Fui, mais uma vez. Só que dessa vez: Cheguei aos 21.1km. Nossa primeira meia maratona.

Como tudo na vida, o trajeto foi sofrível. Nunca vou me esquecer das mensagens de incentivo que ouvi no caminho, a senhora com 60 anos que me inspirava, a nossa amizade forte, dores, desconforto, o prazer da água. Mas, foi incrível.

Hoje, me peguei pensando: 42K? O que leva alguém a correr isso? Talvez eu também tenha que descobrir…