{"id":20003,"date":"2023-07-10T08:30:00","date_gmt":"2023-07-10T11:30:00","guid":{"rendered":"https:\/\/nadaalemdosimples.com\/?p=20003"},"modified":"2023-06-11T19:41:46","modified_gmt":"2023-06-11T22:41:46","slug":"um-abraco-com-poder-termico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/nadaalemdosimples.com\/um-abraco-com-poder-termico\/","title":{"rendered":"> Um abra\u00e7o com poder t\u00e9rmico"},"content":{"rendered":"\n
Dia desses eu precisava de um abra\u00e7o. Sabe aquele dia em que voc\u00ea sabe disso, mas a vida adulta acaba te engolindo e o m\u00e1ximo que voc\u00ea consegue \u00e9 comer um bombom sonho de valsa? Ent\u00e3o. Foi exatamente assim, \u00e0s 11 da manh\u00e3 que sanei, ou melhor, tapeei, minha vontade e necessidade de acolhimento devorando um chocolate (bem bom por sinal) com casquinha e recheio de amendoim.<\/p>\n\n\n\n
Parece preocupante, entretanto n\u00e3o era \u201cnada demais\u201d, digo, era um momento e n\u00e3o uma condi\u00e7\u00e3o que precisava ser solucionada naquele instante. Quer dizer, sequer precisava de uma solu\u00e7\u00e3o. Sabe aquele instante em que durante uma sess\u00e3o de terapia voc\u00ea fica em sil\u00eancio e ainda n\u00e3o consegue formular o que esta passando? Bem assim. Acordei desse jeito e fui sendo levada pela vida; a demanda dos dois filhos, escolinha, lanchinho, mamada 1, mercado, mamada 2, limpeza do quintal, comida do cachorro, mamada 3 e, ah, deu pra entender. A vida adulta n\u00e3o perdoa. Atropela. Mas, eu n\u00e3o queria atropelar o que estava sentindo.<\/p>\n\n\n\n
Segui o dia com esse retrogosto na boca. Segui como quem n\u00e3o quer nada, vivendo uma etapa por vez e calculando o momento em que teria uma brecha para analisar essa crise. Enquanto tudo isso acontecia internamente, eu trocava a fralda do meu filho. Ele olhava para os meus olhos profundamente e disse: mamain, o que voc\u00ea t\u00e1 pensando? E ao inv\u00e9s de dizer \u201cn\u00e3o \u00e9 nada\u201d, eu disse: a cabe\u00e7a da mam\u00e3e t\u00e1 pensando um monte de coisa, filho. E quando voc\u00ea me perguntou isso me fez perceber que eu preciso e eu quero estar aqui fazendo isso com voc\u00ea. Ele riu e disse: mamain t\u00e1 trocando a fralda do Levi.<\/p>\n\n\n\n
Essa frase me aterrou. Coloquei meus p\u00e9s no ch\u00e3o e respirei fundo. S\u00f3 que n\u00e3o foi uma respira\u00e7\u00e3o qualquer: puxei o ar com for\u00e7a e convicta de que precisava daquilo para fazer meu cora\u00e7\u00e3o funcionar. Soltei o ar como quem sabe que tudo precisa uma hora partir para n\u00e3o pesar. Esvaziei a alma certa de que n\u00e3o bastaria respirar fundo para ultrapassar aquele dia, por\u00e9m j\u00e1 era um come\u00e7o. Terminei de almo\u00e7ar e estava trocando a fralda do meu filho, uma etapa por vez. <\/p>\n\n\n\n
-Mamain voc\u00ea n\u00e3o vai tomar caf\u00e9? Meu filho me perguntou sabendo da minha j\u00e1 – quase – autom\u00e1tica rotina de almo\u00e7ar e tomar um cafezinho. Respondi que sim e sorrindo pois amo como ele observa tudo e n\u00e3o deixa passar nada com os seus olhos atentos que parecem duas jabuticabas.<\/p>\n\n\n\n
Fazia tempo que eu n\u00e3o passava um caf\u00e9. CALMA. N\u00e3o \u00e9 nada disso que voc\u00ea est\u00e1 pensando. \u00c9 de passar o caf\u00e9 no coador de pano. Peguei gosto por tomar expresso e perdi o costume, s\u00f3 que, naquele dia, acabaram as c\u00e1psulas. Vou at\u00e9 a despensa pegar o filtro. Coloco a \u00e1gua para ferver. Abro o pote onde guardo o p\u00f3 de caf\u00e9 que n\u00e3o sei a quanto tempo est\u00e1 ali, mas me fa\u00e7o de desintendida. Meu filho arrasta a cadeira para ficar na altura da pia para ver a m\u00e1gica acontecer e ir direto para o bule de vidro. Sirvo a \u00e1gua devagar. Vejo a fuma\u00e7a subir e o caf\u00e9 coar na dan\u00e7a do aroma da minha inf\u00e2ncia e que agora fazia parte da do meu filho que mesmo sem beber, j\u00e1 decorou o nosso ritual. <\/p>\n\n\n\n
Interrompo.<\/p>\n\n\n\n
Lembro que tenho uma reuni\u00e3o e estava atrasada. Subo em outra cadeira e vejo l\u00e1 no alto, no fundo do arm\u00e1rio, uma garrafa t\u00e9rmica. Abro e despejo o caf\u00e9 dentro dela. Por alguns segundo penso que n\u00e3o sei como vou sobreviver aquela conversa, mas valer\u00e1 a pena tomar um caf\u00e9 com calma depois.<\/p>\n\n\n\n
Fone no ouvido. Atendo meu telefone. Abro meu caderno, destampo a caneta, fa\u00e7o o que precisa ser feito e volto para a cozinha \u00e0 procura do meu caf\u00e9. \u00c0 procura daquele momento em que eu poderia respirar com mais calma.<\/p>\n\n\n\n
Sirvo o caf\u00e9 na x\u00edcara. A fuma\u00e7a j\u00e1 dissipou, mas o cheirinho ainda invade e conquista todo lugar. Dou o primeiro gole e espero. Espero at\u00e9 que aquele gole fa\u00e7a o efeito que eu espero, at\u00e9 que n\u00e3o o faz. Tinha algo ali de familiar que eu n\u00e3o esperava. <\/p>\n\n\n\n
Aquele parecia o caf\u00e9 da minha m\u00e3e. De olhos ainda fechados, respiro fundo. Uma respira\u00e7\u00e3o consciente e silenciosa, mas ainda assim encorpada. Puxo o ar com a mesma convic\u00e7\u00e3o depois de conversar com o meu filho. Sorri e sou abra\u00e7ada. Recebo o abra\u00e7o que tanto precisava pela manh\u00e3. Recebo o abra\u00e7o da minha m\u00e3e atrav\u00e9s do gole daquele caf\u00e9 com gosto de t\u00e9rmica – a desculpa que eu usava para fazer nossa garrafa estar em desuso em casa depois de comprar uma v60. <\/p>\n\n\n\n
Sou abra\u00e7ada. Agora pelo filho que entra correndo na cozinha e me encontra. Ele me v\u00ea de olhos fechados e diz: t\u00e1 pensando, mamain? E naquele momento eu me lembro de ver essa mesma cena de um outro \u00e2ngulo. Lembro de ver meu pai parado com seu caf\u00e9 servido no copo americano encarando o c\u00e9u e respirando fundo. Eu n\u00e3o sei o turbilh\u00e3o de coisas para resolver que se passava na sua cabe\u00e7a, mas eu percebia que ele buscava estar ali, no agora; e demonstrava esse esfor\u00e7o quando ao me ver correr em sua dire\u00e7\u00e3o abaixava-se para me olha nos olhos. Me abaixo, me colocando na altura dos olhos dele e ainda com o sabor familiar do caf\u00e9 velho, digo:
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-Oi filho, sim. A mamain estava pensando na vov\u00f3 e no vov\u00f4. Isso me fez bem.
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O abra\u00e7o que eu tanto precisava tinha chego para que eu pudesse ser abra\u00e7o. O abra\u00e7o que tem sabor de caf\u00e9 metalizado. O abra\u00e7o que veio ao tomar consci\u00eancia de respirar fundo. O abra\u00e7o que vem ao estender as m\u00e3os mesmo diante de dias que atropelam. Lembrando que, n\u00e3o importa a idade, n\u00e3o importa a correria ou a invers\u00e3o de pap\u00e9is que a vida passou a ter, a gente deve estar pelo nosso bem ser, bem estar e bem viver. Ainda que isso tenha gosto de caf\u00e9 \u201cenvelhecido\u201d na garrafa t\u00e9rmica.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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