Dia desses eu estava com o carro parado no farol. Aqueles minutos enquanto a gente espera o sinal abrir e acender o verde para seguir em frente. Fiquei, fiquei, fiquei… parada. De verdade, pensei que o sinal estava quebrado ou se era minha cabe\u00e7a que sinalizava tamanha urg\u00eancia. <\/p>\n\n\n\n
Apoiando a cabe\u00e7a nas m\u00e3os, puxei o retrovisor para baixo para olhar meu filho que cochilava. N\u00e3o era um hor\u00e1rio em que ele costumaria estar dormindo, mas a noite tinha sido daquelas: virose, fralda vazando, troca len\u00e7ol, dorme no quarto, tosse, acorda, deita na mesma cama. Puxada. Noites cansativas o bastante para nos fazer lembrar para sempre. Noites afetuosas o bastante para nos fazer lembrar para sempre desse tempo em que n\u00f3s somos os \u00fanicos Porto Seguro deles. <\/p>\n\n\n\n
Olhando pelo espelho, eu via seu semblante. J\u00e1 n\u00e3o era mais o mesmo de semanas atr\u00e1s. Era um menininho que j\u00e1 dizia o que gostava, o que n\u00e3o gostava, o que queria e o que queria explorar. J\u00e1 n\u00e3o era mais um RN que dormia e resmungava no banco de tr\u00e1s em uma mini cadeirinha. Fases.<\/p>\n\n\n\n
O farol continuava fechado. Eu voltei o espelho para mim. Me vi.<\/p>\n\n\n\n
Olhei nos meus olhos e vi novas marcas, frutos do cuidado, da preocupa\u00e7\u00e3o, da alegria, do tempo. Marcas que faziam parte da minha hist\u00f3ria de anos de vida na minha pr\u00f3pria pele. Sorri. <\/p>\n\n\n\n
Olhei para frente e vi um casal correndo. Eles atravessavam a rua em um ritmo sincronizado. As passadas dos p\u00e9s mudavam no mesmo tempo, os antebra\u00e7os balan\u00e7avam para frente e pra tr\u00e1s na mesma hora. Era gostoso de ver. Sorri.<\/p>\n\n\n\n
Olhei para dentro. Olhei para anos atr\u00e1s, onde talvez uma m\u00e3e sentada no banco do carro com o filho dormindo, via eu e o meu marido correndo na rua. Um casal, fazendo algo juntos, sem interrup\u00e7\u00f5es, dedicando tempo a uma atividade em que eles sentiam prazer e desafio juntos. Juntos, eles se puxavam para onde queriam ir. Juntos, eles seguiam em frente ou para qualquer dire\u00e7\u00e3o que sentissem que deveriam seguir. Juntos, eles se dedicavam para algo que tamb\u00e9m lembrariam para sempre pelo desafio e pela sintonia. <\/p>\n\n\n\n
Eu n\u00e3o vivia mais essa fase, foi o que pensei. E pensar nisso, naquele momento, n\u00e3o teve um gosto triste. Teve gosto de vida. Teve gosto de fase. Eu j\u00e1 vivi aquele momento com meu marido e sozinha e fui muito bem. Eu estava vivendo outro momento, com meu marido e em alguns momentos sozinha, e estava muito bem. Eu ainda viveria muitos momentos sozinha e com meu marido ou com meu filho e seria muito feliz. <\/p>\n\n\n\n
Naquele momento, em que o farol custava abrir, eu vi e vivi cada fase. Eu pude me ver e pude reconhecer a import\u00e2ncia de cada passo que precisei dar sozinha, sincronizada ou agora sendo guia de um novo ser humano em forma\u00e7\u00e3o. Naquele momento, eu senti a vida passar e n\u00e3o tive vontade de correr atr\u00e1s dela. Eu s\u00f3 queria apreciar aquele instante em que eu estava sentada no banco de um carro dirigindo – e que 12 anos atr\u00e1s eu nunca imaginaria ser poss\u00edvel de fazer.<\/p>\n\n\n\n
O farol abriu. A luz verde acendeu. Meu filho resmungou. Engatei a marcha. O casal disparou na frente. Cada um seguiu seu caminho, sua dire\u00e7\u00e3o, sua fase. Cada um foi viver aquilo que a vida apresentava como necess\u00e1ria. E fomos bem.<\/p>\n\n\n\n
Naquele momento eu pisei no acelerador e segui meu caminho certa de que estava na velocidade que deveria estar. Certa de que poderia mudar de dire\u00e7\u00e3o quando sentisse necessidade. Certa de que logo a vida daria um jeito de me apresentar uma nova fase e que eu deveria vivenciar a que eu estava agora para futuramente sorrir parada em um farol qualquer lembrando desse momento.<\/p>\n\n\n\n
Se a vida \u00e9 de fases, eu tamb\u00e9m devo ser.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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