![\"\"](\"https:\/\/scontent-dfw5-1.cdninstagram.com\/vp\/e24b836305dbaf6b6cd33d58215f8adf\/5BAB2410\/t51.2885-15\/e35\/33545997_1000995840059365_2609745845582561280_n.jpg\")
<\/p>\nQuando cruzei a linha de chegada da minha primeira prova de corrida, uma meia maratona, eu j\u00e1 sabia que n\u00e3o poderia ficar longe muito tempo dessa sensa\u00e7\u00e3o. Da primeira maratona ent\u00e3o… sabe aquele sentimento de crian\u00e7a? cai, machuca, se rala todo no brinquedo e quando termina quer ir de novo? \u00e9 isso. Eu queria levantar e ir mais uma vez.<\/p>\n
Esperei muito para que a maratona de porto alegre chegasse. Escolhi ela por ser em uma \u00e9poca do ano diferente, mais fria e tamb\u00e9m para aproveitar a nossa ida para visitar os pais do F\u00e1bio. Nessa eu estava com cabe\u00e7a fervilhando, muita coisa acontecendo e estava dif\u00edcil separar, tudo mexia muito com a minha autoconfian\u00e7a, por\u00e9m em nenhum momento eu cogitei n\u00e3o ir. Pensei que poderia n\u00e3o terminar, n\u00e3o ir bem nos treinos, qualquer coisa – eu ia.<\/p>\n
Essa maratona foi mais leve pra mim. No primeiro treinamento eu nunca iria jantar fora antes de algum treino longo. Nessa eu colecionei rod\u00edzios de pizza no anivers\u00e1rio da minha av\u00f3, noite mexicana do anivers\u00e1rio do meu irm\u00e3o e algumas idas ao banheiro no meio do treino foram necess\u00e1rias. Ri, foquei minha cabe\u00e7a que daria tudo certo, ouvi meu corpo e aprendi a deixar fluir a vida e a corrida ao mesmo tempo. Afinal, elas n\u00e3o podem nunca competir. S\u00f3 agregar.<\/p>\n
F\u00e1bio parou os treinos logo no in\u00edcio por conta de uma dor no p\u00e9 que persistia. A \u00faltima longa dist\u00e2ncia dele tinha sido em outubro do ano passado e mesmo assim, ele pensava em fazer os 21km. Quando chegamos para retirar o kit da prova e trocar a maratona para a meia, descobrimos que tinha uma taxa de 50 reais. Resultado: F\u00e1bio resolveu correr e ver no que ia dar.<\/p>\n
Na semana da maratona eu estava bem nervosa e concentrada. Eu sabia que precisaria dar todas as minhas reservas. Com a possibilidade de chuva, frio, vento e tudo quanto \u00e9 coisa, eu abandonei os “tomara que”, tomara que n\u00e3o menstrue, n\u00e3o chova, n\u00e3o fa\u00e7a sol demais, n\u00e3o tenha isso, aquilo. Eu estava com a mala preparada para o apocalipse e curtir cada km.<\/p>\n
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No dia da prova l\u00e1 est\u00e1vamos n\u00f3s na garoa, vento e rindo feito bestas, com condi\u00e7\u00f5es que nunca tinha treinado. Estava com a cabe\u00e7a t\u00e3o longe que quase passei a largada sem ligar meu rel\u00f3gio. Sa\u00edmos juntos e antes mesmo do 1km, Fabinho me disse que seguiria no seu ritmo. Me mantive no meu caminho, olhando ao redor quem estava por perto. A maratona de Porto \u00e9 famosa no Brasil por ter um percurso plano, muita gente vai para l\u00e1 para bater seu melhor tempo e conseguir \u00edndice para Boston. Foi uma prova mais silenciosa e cada um estava no seu universo fazendo o que treinou para fazer.<\/p>\n
A prova passou muito r\u00e1pida pra mim. Olhei para o rel\u00f3gio e j\u00e1 estava no 10km, tinha que me policiar para n\u00e3o esquecer de tomar o gel de carboidrato e pegar a \u00e1gua e isot\u00f4nico no caminho. A chuva deu uma tr\u00e9gua, tirei a capa de chuva que estava amarrada na minha cintura e n\u00e3o percebia o p\u00e9 encharcado, c\u00f3lica e o vento. Correr na chuva pode ter muitos contras, mas a sensa\u00e7\u00e3o de liberdade, aquela inocente de quando somos crian\u00e7as, \u00e9 indescrit\u00edvel. Me senti mais livre do que nunca.<\/p>\n
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No 18km eu vi F\u00e1bio passando pelo sentido oposto e gritei “vai 42?” e ele rindo de s\u00ed mesmo me disse “agora n\u00e3o tem jeito, t\u00f4 ferrado”. No km20 eu senti muita vontade de ir ao banheiro, mas a fila era grande e o pr\u00f3ximo demoraria mais 5km, o que me desanimou muito. J\u00e1 tinha lido que correr no frio da mais vontade de fazer xixi que no calor e ouvi duas mo\u00e7as com l\u00e1 seus 40 anos na minha frente falando que tinham feito xixi ali mesmo, tinha lido tanta gente que fez isso e pensei “u\u00e9, j\u00e1 t\u00f4 molhada mesmo”. E, como a amiga dela disse: foi o batismo da corrida. Peguei um copo de \u00e1gua, me molhei e segui no meu universo particular. Eu sentia que se parasse minhas pernas iriam esfriar, endurecer e voltar seria mais dif\u00edcil.<\/p>\n
No km22 eu mandei uma foto pra fam\u00edlia e gravei um stories. Olhei no rel\u00f3gio e minha meia maratona tinha sido em 2h e 8m, eu conseguiria fechar a prova antes de 4h20 minutos se continuasse naquele ritmo. Uma mo\u00e7a olhou pra mim e disse “agora \u00e9 s\u00f3 voltar pra casa”, quando ouvi “casa” me lembrei de tanta gente. Do anivers\u00e1rio da minha amiga que tinha sido na noite anterior e que tinha tanta gente que eu amava, da minha m\u00e3e, meu pai, meus irm\u00e3os, meu sobrinho, do F\u00e1bio. Eu n\u00e3o via a hora de chegar. Dali at\u00e9 os quase 30km tudo apenas flu\u00eda. Tinha treinado a estrat\u00e9gia de ligar meu MP3 s\u00f3 na metade do trajeto para dar mais um \u00e2nimo.<\/p>\n
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No km29 eu vi F\u00e1bio parado na rua. Tirei meu fone e ele me disse que pegaria um uber at\u00e9 a chegada para me esperar, que n\u00e3o iria at\u00e9 os 42km. Eu balancei a cabe\u00e7a, demos um beijo e n\u00e3o deu tempo de dizer que eu o amava e nem obrigada por me esperar ali. No fundo eu pensava que poderia cruzar a linha de chegada com ele. Agora era s\u00f3 eu por mim mesma. Estava bem hidratada, os carboidratos tinham ca\u00eddo bem e tentei pensar que eu tinha come\u00e7ado a correr naquele momento e que s\u00f3 faltam 12km. Eu s\u00f3 podia contar comigo.<\/p>\n
Sorrir era dif\u00edcil. As pernas pesavam por conta dos p\u00e9s encharcados e super gelados, n\u00e3o sentia mais a ponta deles batendo no asfalto. Meu ritmo tinha ca\u00eddo muito. Por mais que eu acelerasse, n\u00e3o sa\u00eda do lugar. Era desesperador. Senti uma solid\u00e3o pairando em mim. Como se n\u00e3o tivesse mais ningu\u00e9m ali comigo, como se eu dependesse s\u00f3 de mim para conseguir. E era, sempre foi. Naquele instante eu pensei que n\u00e3o iria chegar. Um grupo de pessoas na rua gritaram, coloquei uma m\u00fasica que me inspirava… Era dif\u00edcil. Dores come\u00e7avam a aparecer e o pensamento de parar aumentava. Resolvi tentar secar minhas pernas um pouco para ver se diminu\u00eda a sensa\u00e7\u00e3o gelada do vento que fazia doer os ossos do joelho. Nada. A dor estava na minha cabe\u00e7a.<\/p>\n
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\nEncontrei uma parceira de corrida no meio do caminho, conversamos um pouco e foi quando percebi que era exatamente ali que eu queria estar. Eu n\u00e3o tinha outro lugar do mundo que queria viver. Eu tinha sonhado com aquele dia. Eu queria aquilo. Continuei com o ritmo bem abaixo e n\u00e3o faria no tempo que pensava em fazer. Mandei um \u00e1udio sofrido para o F\u00e1bio dizendo que estava no km40. Tinham pessoas na rua e uma delas olhou nos meus olhos e disse “VOC\u00ca J\u00c1 CONSEGUIU”. Foi quando comecei a ver a ponta do shopping de onde largamos. Sorri aliviada, mas no fundo eu n\u00e3o queria que acabasse.<\/p>\n
A dor, o peso dos p\u00e9s, meu estado nada aconchegante n\u00e3o me faziam diferen\u00e7a, eu j\u00e1 n\u00e3o desviava das po\u00e7as d’ \u00e1gua. Minha mente era minha. Acelerei um pouco e o vento com a chuva se misturavam nas minhas l\u00e1grimas inocentes de alegria. Acho que todos pensavam que eu era louca sorrindo e chorando. Eu n\u00e3o sei explicar. Corria e me sentia com 9 anos de idade. Eu estava em paz. Este foi o momento da minha vida em que cheguei mais perto de voar.<\/p>\n
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Eu sabia que o volume que eu tinha reduzido nos treinos iriam fazer falta para manter o ritmo nos \u00faltimos kms. N\u00e3o foi o tempo que imaginei, mas os n\u00fameros n\u00e3o importavam mais com a completude que eu sentia. Meu rel\u00f3gio bateu bem antes de chegar a medida 42.3km, parei: 4h28m, 16 minutos mais r\u00e1pido do que a primeira. Ouvia os gritos, algu\u00e9m que disse meu nome e ali estava o que eu tanto queria: chegar para recome\u00e7ar.<\/p>\n
Cruzei a linha de chegada acompanhada de mim. Uma vers\u00e3o nova.<\/p>\n
Uma vers\u00e3o que estava disposta a viver qualquer coisa, \u00e0 qualquer custo, contanto que pudesse sentir a vida pulsando dentro de mim como foi neste dia.<\/p>\n
Cada chegada \u00e9 um recome\u00e7o.<\/p>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"
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