{"id":14777,"date":"2017-06-05T15:54:42","date_gmt":"2017-06-05T15:54:42","guid":{"rendered":"https:\/\/nadaalemdosimples.com\/?p=14777"},"modified":"2017-06-12T14:01:38","modified_gmt":"2017-06-12T14:01:38","slug":"continue-a-sonhar","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/nadaalemdosimples.com\/continue-a-sonhar\/","title":{"rendered":"> Continue a sonhar…"},"content":{"rendered":"

Um dia uma professora de literatura tomou da minha m\u00e3o um caderno em que eu escrevia. Eu contava que aquilo uma hora iria acontecer, afinal eu vivia com ele colado em mim. Eu diria que aquele caderno grande e de capa dura, era quase uma extens\u00e3o dos meus confusos e intensos pensamentos. Eu passava aulas e aulas escrevendo, olhando ou batucando a caneta nele. N\u00e3o era por mal: eu estava apenas escalando dentro de mim.<\/p>\n

Aquela professora de literatura era alta, com cabelo curtinho e tinha uma voz forte e grave. Ela era do tipo que fazia todo mundo gostar da mat\u00e9ria dela, devido a paix\u00e3o que transmitia em cada frase que recitava. Ela era exigente e, por muitas vezes, brava. Portanto eu sabia que estava ferrada. No final da aula ela me chamou, esperou todos sa\u00edrem para o intervalo, me entregou o caderno com um sorriso no rosto e mantendo todos dentes vis\u00edveis, disse:
\n– continue escrevendo.<\/p>\n

Eu n\u00e3o tinha muito o que dizer. Ningu\u00e9m nunca tinha aberto aquele caderno al\u00e9m de mim, por isso estava um pouco envergonhada. Abracei o meu caderno, fui at\u00e9 a minha mesa, agachei e o coloquei no bolso mais escondido da minha mochila. Ajustei meu agasalho no corpo, acenei com a cabe\u00e7a e sai apenas escutando o som dos meus p\u00e9s no piso de madeira. N\u00f3s duas nos entendemos naquele sil\u00eancio. Eu continuaria a escalar e ela me ajudaria a criar asas.<\/p>\n

Por anos mostrei meus pequenos versos para ela. Ela sorria, me entregava e sempre dizia firme, “continue”. Ela n\u00e3o fazia nenhuma marca\u00e7\u00e3o de caneta vermelha e nem colocava uma nota no canto direito do papel. Continuei a escrever, mas com o tempo passou a ficar mais dif\u00edcil. Eram verbos, conjuga\u00e7\u00f5es, acentos, pontos e v\u00edrgulas para me preocupar. Resolvi um dia perguntar para ela sobre uma d\u00favida em um texto e ela bateu a capa do caderno, como se fosse uma gaveta antiga, com for\u00e7a e apenas me disse: continue.<\/p>\n

Um dia ela leu e n\u00e3o sorrio. Pensei ter escrito besteira, mas pude ver uma l\u00e1grima que ela n\u00e3o fez quest\u00e3o de enxugar, presa no cantinho dos olhos. Peguei meu caderno, n\u00e3o disse nada e caminhei em dire\u00e7\u00e3o a sa\u00edda. Antes de passar pela porta, ela disse:
\n– continue com o cora\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Naquela idade eu n\u00e3o entendia bem o que aquilo poderia significar. Achei que era mais uma das maluquices da cabe\u00e7a dela. Anos depois, eu colecionava cadernos e arquivos .txt no computador sem nunca mostrar para ningu\u00e9m. At\u00e9 que chegou o dia em que a pessoa que eu estava envolvida, leu um texto que eu tinha deixado aberto no computador e me disse:
\n– caramba, voc\u00ea assassina o portugu\u00eas. Dei uma risada alta, for\u00e7ada e respondi com ar de indigna\u00e7\u00e3o:
\n– isso a\u00ed? n\u00e3o \u00e9 nada. Nem deveria estar a\u00ed.<\/p>\n

Com dor no cora\u00e7\u00e3o eu coloquei as m\u00e3os no mouse e deletei o arquivo na frente dele. Eu estava errada e sabia. Aquilo era sim alguma coisa. Era algo que meu cora\u00e7\u00e3o, com palavras tortas e erradas, tentava dizer. Nunca mais escrevi. Bem tonta.<\/p>\n

Depois disso tive 3 blogs onde eu atualizava e uma semana depois apagava. N\u00e3o compartilhava com ningu\u00e9m e torcia para que ningu\u00e9m lesse. Um tempo depois, me vi sozinha e escrever virou minha melhor companhia. Comecei a tentar estudar, ler, me informar e passei a me importar em concretizar. Eu me ouvia, criava, escrevia, fotografava e pintava. Fazia o que sentia que gostaria de fazer abra\u00e7ando todas as imperfei\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Um dia conheci algu\u00e9m que se tornou meu grande amigo em poucos minutos de conversa. Ele viu uma foto e leu um texto meu e olhando nos meus olhos, me disse:<\/p>\n

– voc\u00ea deveria considerar trabalhar com isso. Ri na cara dele. Falei que nunca ningu\u00e9m entenderia minha cabe\u00e7a confusa e, ele ainda olhando para o texto, continuou:
\n– ainda que algu\u00e9m ir\u00e1 revisar para voc\u00ea futuramente, podemos melhorar tudo isso juntos<\/strong> com o tempo. Mas continue.<\/p>\n

Continuamos at\u00e9 hoje amigos e me tornei esposa dele. Tamb\u00e9m continuo at\u00e9 hoje assassinando o portugu\u00eas, errando regras de fotografia e falando de maneira confusa muitas vezes. N\u00e3o me orgulho. Leio, me informo, releio, pesquiso: merdas passam, a ess\u00eancia fica. Decidi que n\u00e3o iria mais virar um entulho de sonhos por medo de errar ou por tentar sempre acertar em tudo. Com tudo. Com todos.<\/p>\n

Hoje n\u00e3o sou expert em nada, somente em falar e dar ouvidos ao cora\u00e7\u00e3o.<\/strong> Em resposta leio mensagens e recados que me fazem dormir em paz, pois mais do que ganhar o pr\u00eamio da l\u00edngua portuguesa ou um trof\u00e9u na fotografia, consegui tocar um cora\u00e7\u00e3o<\/strong> ou causar uma reflex\u00e3o sobre a vida.<\/p>\n

Continue. Com o que voc\u00ea tem, com o que pode, com o que sente, com a sua verdade. A gente aprende. Continue.<\/p>\n

Se n\u00e3o tem aquilo, vai com isso. Se falta outra coisa, teste e valorize a que tem.
\nS\u00f3 n\u00e3o desista do que te faz bem e traz paz. Algu\u00e9m precisar\u00e1 cruzar com isso no caminho da vida e ficar\u00e1 com o que \u00e9 bom e \u00e9 essencial<\/strong>.<\/p>\n

Voc\u00ea j\u00e1 sabe o que eu vou dizer agora, mas repito quantas vezes forem precisas, pois repetiram e repito todos os dias para mim…<\/p>\n

\n

Continue.<\/span> Continue com o cora\u00e7\u00e3o.<\/strong><\/p>\n<\/div>\n","protected":false},"excerpt":{"rendered":"

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