Eu sempre pensei na vida como uma construção. Talvez por ter crescido em uma casa que passou uma reforma sem fim, essa foi a minha maneira de lidar: criando analogias bonitas que se sobressaíssem ao mal estar de tanto pó e bagunça.
Acordar ao som de uma britadeira ao lado da janela, marretada quebrando paredes e uma serra no telhado, sempre foi o meu normal. Pode parecer irritante, mas pense que eu era nova. Deveria ter uns 8 anos. Então, não me preocupava com muita coisa além de ver a vida passar. E foi vendo a vida passar em constantes mudanças que eu percebia: todo dia, com trabalho, pouco a pouco, a casa ia ganhando forma. Demorava, mas ganhava forma de casa.
Eu lembro que cheguei a apelidar os pedreiros. Eles me chamavam de tampinha e eu os apelidei de Alface e Macarrão. Não sei dizer o porquê, infelizmente. Mas, me lembro bem que, todos os dias, eu me juntava a eles um pouquinho para ouvir as musicas que cantavam, as conversas e tirar um pouco de onda com as manias de cada um.
Todos os dias Alface e Macarrão estavam ali. Fazia chuva ou sol. Eu achava o máximo como nada os impedia de fazer aquilo que era preciso. Subiam escadas que eles mesmos montavam com os restos de madeira, escalavam o muro com a maior facilidade e ficavam imitando super heróis em cima do telhado. Eu olhava e pensava que nada, nada mesmo, podia parar aqueles dois malucos.
Lembro uma vez em que eles precisavam fazer a fundação da construção. Só que ainda tinha a casa. Eu lembro de observar a conversa, sem entender muita coisa, mas o que me chamou atenção foi ver eles estudando o projeto. A casa que seria erguida estava ali no papel, a casa que seria demolida estava na frente deles. Eles sabiam onde queriam chegar e, para alcançar esse resultado, estavam estavam fazendo um caminho ao contrário. Seguindo um plano de trás para frente: prevendo erros, imaginando problemas, se preparando para etapas que vislumbravam chegar lá na frente.
A reforma na casa dos meus pais ainda continua. Hoje com menos quebra-quebra, mas ainda é possível ver muitas paredes no reboco e chão só no concreto. Graças a todo esse tempo vivendo em reforma, eu sinto um arrepio na espinho se penso em construir. Entretanto, também sinto um grande prazer por ter entendido muito cedo a diferença entre casa e lar e, que, apesar da nossa casa ainda não ter um telhado pronto, nunca me faltou um lar.
Foi crescendo em um ambiente em constante mudança que eu pude perceber que a vida é uma eterna obra. Mas foi vivendo os meus quase 32 anos que pude entender que, tão bom quanto construir é permitir se desconstruir pelo caminho.
Nos últimos anos eu precisei me desconstruir muito. A medida que percebi que não poderia ser tão irredutível nos meus relacionamentos. A medida que percebi que precisava abrir mão da ideia de perfeição. E também a medida em que percebi que, muitas vezes, para construir um sonho, eu precisava desconstruir alguma ideia ou até mesmo o próprio sonho.
Muitas vezes a vida dá esse cheque-mate. Esse convite ambíguo: Será que para realizar, você está pronta pra descontruir o seu próprio sonho?
Antes de construir, é preciso desconstruir. Ideias, raizes profundas, verdades absolutas, pré-conceitos.
Antes de construir, é preciso desconstruir. Fazer o caminho inverso, olhar para todas as pequenas partes que precisam ser feitas. Prático desse jeito. Não tem glamour ou sequer charme. É fazendo mesmo.
Pegar um papel, escrever aquilo que se quer realizar e escrever o caminho inverso. O que vou precisar fazer lá na frente e, depois dia a após dia, para estar onde eu quero?
Foi o que precisei fazer quando decidi voltar a correr. Comecei pelo sonho: Correr de novo uma maratona daqui 2 anos. E desconstruir, parte por parte desse sonho, nomeando de trás pra frente, o que precisaria para chegar lá. Ao longo do caminho precisarei fazer isso outra vez e outra vez e outra vez, eu imagino que sim. E isso é sinal de que há vida. E a vida nos convida para construir e desconstruir o tempo todo. A quebrar um pouquinho a cabeça reajustando as metas… mas, é assim que grandes sonhos são feitos: de pequenas partes constantes. Pequenas partes que se desconstroem dentro de nós para construir um Ser grande.
Então, desconstrua o sonho em partes. Não sabe o que fazer agora? Tudo bem. Comece de trás para frente. Comece por dentro.
Você tá pronto pra desconstruir?